sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Apesar de alto potencial, Brasil nega intenção de exportar urânio

Talita Boros
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Em 2009, analistas ocidentais afirmavam que o Irã estava próximo de esgotar seu estoque de urânio bruto. Um ano depois, consolidado oficialmente o programa nacional de enriquecimento do minério a altos níveis -20%-, não se tem certeza se a república muçulmana já sofre com problemas de abastecimento e se dependerá do mercado externo.

O Brasil tem a 6ª maior reserva de urânio do mundo, porém produz apenas o suficiente para a demanda nacional, que hoje é de aproximadamente 400 toneladas por ano. Para a estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil), a possibilidade de se tornar um exportador de urânio – seja da forma bruta ou enriquecida –, no momento, “não está na pauta”.

Mario Botelho, diretor técnico de enriquecimento da INB, ressalta que o programa nuclear brasileiro destina-se apenas à produção de combustíveis com baixo teor de enriquecimento, usados nos reatores nucleares nacionais.

Outros países que possuem grandes reservas de urânio bruto são Austrália, Cazaquistão, Rússia, África do Sul, Canadá e Estados Unidos.

Em 1970, a África do Sul exportou 600 toneladas do minério para o Irã e, de acordo o Instituto para a Ciência e a Segurança Internacionais dos Estados Unidos, até o ano passado, a República Islâmica não parece ter obtido mais quantidades significativas de urânio bruto.

Poder de enriquecimento
A partir da forma bruta, o minério passa por um processo industrial que leva ao concentrado de urânio, conhecido como "yellowcake", e só então passa pelo processo de enriquecimento, que pode ser de dois tipos: o baixo e o alto.

Países como Brasil, Argentina e Austrália possuem apenas programas de baixo enriquecimento. Atualmente as usinas brasileiras Angra 1 e 2 recebem, respectivamente, urânio enriquecido em território nacional a um grau de 3,8% e 4%. De acordo com a INB, esse índice pode ter um pequeno aumento e a produção do país pode chegar até a 6%.

O alto poder nuclear mundial, segundo relatório da AIEA (Agência Nacional de Energia Atômica), encontra-se nas mãos de apenas oito nações: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido, Alemanha, Holanda, China e Japão. Todos possuem tecnologia suficiente para enriquecer urânio em níveis acima de 20%, mas apenas cinco fabricaram, comprovadamente, armamento nuclear – Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China.

Esses cinco países desenvolveram tecnologia para armamento antes de 1968, quando foi assinado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, onde se comprometiam em não transferir tecnologia da bomba atômica e nem auxiliar outro país a consegui-la. Estes, juntos com a Alemanha, são os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o P5+1.



No processo de construção de armamentos nucleares, o estágio considerado mais complexo é o desenvolvimento da matéria-prima da experiência: o plutônio ou o urânio altamente enriquecido (HEU, sigla em inglês).

Segundo a AIEA, acredita-se que a Índia, Paquistão e Coreia do Norte têm tecnologia suficiente para desenvolver HEU, mas como não fazem parte do tratado, não se sabe ao certo o poder que possuem. A Coreia do Norte até chegou a assinar o acordo, mas se retirou do grupo em 2003.

O urânio de baixo enriquecimento (LEU, sigla em inglês) –produzido pelo Brasil- pode ser usado para a produção de combustível para reatores nucleares, na geração de energia, e para a fabricação de fármacos. No entanto, o órgão destaca que o mesmo equipamento utilizado para produzir o LEU (até 20%), pode também ser usado para produzir o HEU (acima de 20%), usado em armas nucleares.

Um conjunto de garantias e técnicas de verificação – chamadas de “salvaguardas” – asseguram que a tecnologia e o processo de enriquecimento de urânio nos países não seja desviado para a produção de armamento nuclear. Todos os signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, inclusive o Brasil, são acompanhados pela AIEA, que exerce esse controle por meio de inspeções nas instações nucleares.

Caso do Irã

Apesar de o nível de enriquecimento lançado oficialmente pelo país muçulmano - 20% - ser suficiente para o funcionamento do reator nuclear de Teerã, não é para a produção de uma bomba nuclear, que requer enriquecimento a pelo menos 90%. Analistas afirmam que o enriquecimento deixa o governo iraniano mais perto da capacidade de se produzir armas nucleares, o que incomoda alguns países do Ocidente. A própria AIEA expressou sua preocupação com a possível dimensão militar do polêmico programa nuclear do país.

Ao dominar o enriquecimento superior a 5%, qualquer país se aproxima cada vez mais da capacidade de poder enriquecer a níveis próximos a 90%, necessário para fabricar armas atômicas. Uma vez enriquecido em pequena escala, a obtenção de grandes escalas torna-se uma questão de tempo.

De acordo com um documento confidencial da AIEA divulgado nesta quinta-feira (18), o Irã já produziu o primeiro lote, ainda pequeno, de urânio enriquecido a 20%, sem ter avisado com a antecedência devida aos inspetores internacionais. Embora seja signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e negue o enriquecimento para fins militares, o governo iraniano passou os últimos 18 meses evitando contatos com a AIEA a respeito do assunto. O país alega que todas as acusações ocidentais sobre o desenvolvimento de ogivas atômicas são inventadas, mas ainda não conseguiu provar o contrário.

Na semana passada (dia 11), o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad disse durante a comemoração do aniversário de 31 anos da Revolução Islâmica, que o país tem capacidade para enriquecer urânio até 80%, mas por enquanto não está interessado em chegar a esse nível. Segundo o líder, seu país é "suficientemente valente" para "anunciar antecipadamente" se estivesse desenvolvendo uma bomba atômica.